domingo, 30 de outubro de 2011

continuação
O GRANDE SEGREDO PARA SE CHEGAR A SANTIDADE
PORQUE MARIA NOS É NECESSÁRIA
Porque somente Maria encontrou graça diante de Deus.
1º) Somente Maria achou graça diante de Deus, tanto para si como para cada homem em particular. Os Patriarcas e os Profetas, todos os Santos da antiga lei não puderam encontrar essa graça.
Porque somente Maria é Mãe da graça.
2º) Por isso que Maria foi quem deu o ser a vida ao Autor de toda graça, é que a chamamos Mãe da graça, Mater gratiae.
Porque somente Maria possui, depois de Jesus, a plenitude da graça.
3º) Deus pai, de quem procedem, como de sua fonte essencial, todo dom perfeito e toda graça, deu-lhe todas as suas graças; de modo que a vontade de Deus, como diz S.Bernardo, lhe é dada nele e com ele.
Porque somente Maria é a tesoureira de todas as graças de Jesus.
4º) Deus a escolheu para tesoureira, ecônoma e dispensadora de todas as suas graças; de sorte que todas as suas graças e todos os seus dons passam por suas mãos; e segundo o poder que Ela recebeu, como diz São Bernardino, Ela distribui a quem quer, como quer, quando quer e quanto quer, as graças do Pai Eterno, as virtudes de Jesus Cristo e os dons do Espírito Santo.
Porque para ter Deus por Pai, é necessário ter Maria por Mãe.
5º) Assim como, na ordem natural, uma criança tem que ter um pai e uma mãe, da mesma maneira na ordem da graça é preciso que um verdadeiro filho da Igreja tenha a Deus por pai e Maria por mãe; e si se gloria de ter a Deus por pai, não tendo por Maria a ternura de um verdadeiro filho, é um enganador que só tem por pai ao demônio.
Porque os membros de Jesus devem ser formados pela Mãe de Jesus.
6º) Desde que Maria formou o Chefe dos predestinados, que é Jesus Cristo, a Ela também compete formar os membros desse Chefe, que são os verdadeiros Cristãos; pois uma mãe não forma a cabeça sem os membros, nem os membros sem a cabeça. Quem quiser, pois, ser membro de Jesus Cristo, cheio de graça e de verdade, deve ser formado em Maria por meio da graça de Jesus Cristo, que nela reside em toda a plenitude, para ser plenamente comunicada aos verdadeiros membros de Jesus Cristo e aos seus verdadeiros filhos.
Porque é por Maria que o Espírito Santo produz os predestinados.
7º) Havendo o Espírito Santo desposado Maria, e tendo produzido nela, por ela e dela a Jesus Cristo, essa obra prima que é o Verbo encarnado; e como nunca a repudiou, continua a produzir todos os dias nela e por Ela de uma maneira misteriosa, porém verdadeira, os predestinados.
Porque é Maria que está encarregada de alimentar as almas, e de fazê-las crescer em Deus.
8º) Maria recebeu de Deus um domínio particular sobre as almas para nutri-las e as fazer crescer em Deus. Santo Agostinho diz mesmo que neste mundo os predestinados são todos encerrados no seio de Maria, e que não nascem senão quando essa boa Mãe os gera para a vida eterna. Por conseguinte, como a criança tira todo o alimento de sua mãe, que o dá proporcionado à sua fraqueza, da mesma maneira os predestinados tiram todo o alimento espiritual e toda a sua força de Maria.
Porque Maria deve habitar nos predestinados.
[15] 9º) Foi a Maria que Deus Pai disse: In Jacob inhabita: Minha filha, habita em Jacó. Foi a Maria que Deus Filho disse: In Israel Haereditare: Minha querida Mãe, tende vossa herança em Israel, quer dizer, nos predestinados. Enfim, foi a Maria que o Espírito Santo disse: In electis meis mitte radices: Lançai, minha Esposa fiel, raízes em meus eleitos. Todo aquele, pois, que é eleito e predestinado tem a Ssma. Virgem habitando em si, quer dizer, em sua alma, e aí a deixa lançar raízes de profunda humildade, de ardente caridade e de todas as virtudes.
Porque Maria é o “molde vivo” de Deus e dos Santos.
Maria é chamada por Sto. Agostinho, e é, com efeito, o molde vivo de Deus, forma Dei, o que quer dizer que foi nela somente que Deus feito homem foi formado ao natural, sem que lhe falte nenhum traço da Divindade; e é também somente nela que o homem pode ser formado em Deus ao natural, tanto quanto a natureza humana é disso capaz, pela graça de Jesus Cristo.
Um escultor pode fazer uma figura ou um retrato ao natural de duas maneiras: 1º) servindo-se de seu engenho, de sua fora, de sua ciência e dos instrumentos adequados para fazer essa figura de uma matéria dura e informe; 2º) pode lançá-lo numa forma. A primeira é demorada e difícil, e sujeita a muitos acidentes: muitas vezes basta um golpe de cinzel ou de martelo mal dado para estragar toda a obra. A segunda é rápida, fácil e suave, quase sem trabalho e sem esforço, contanto que o molde seja perfeito e reproduza o original, e que a matéria de que se serve, fácil de se manipular, não resista de maneira alguma à sua mão.
Molde perfeito em si mesmo, e que nos torna perfeitos em Jesus Cristo.
Maria é o grande molde de Deus, feito pelo Espírito Santo, para formar ao natural um Homem-Deus pela união hipotética, e para formar um homem Deus pela graça. Não falta a este molde nenhum traço da divindade; quem quer que nele se deixe manejar, nele recebe todos os traços de Jesus Cristo (1), verdadeiro Deus, duma maneira suave, proporcionada à fraqueza humana, sem muito trabalho e agonia; duma maneira segura, sem temor de ilusão, pois o demônio nunca teve e jamais terá acesso até Maria, santa e imaculada, sem sombra da menor mancha de pecado.
De uma maneira pura e divina.
Ó! Alma querida, que diferença entre uma alma formada em Jesus Cristo pelos caminhos comuns dos que, como os escultores, se fiam na própria habilidade e se apóiam em seu engenho, e uma alma bem manejável, bem desligada, bem fundida, e a qual, sem nenhum apoio em si mesma, se lança em Maria, e aí se deixa manejar pela operação do Espírito Santo! Quantas manchas, quantos defeitos, quantas trevas, quantas ilusões, quanto da natureza, quanto de humano na primeira alma; e como a outra é pura, divina e semelhante a Jesus Cristo!
Porque Maria é o Paraíso e o mundo de Deus.
Absolutamente não há nem haverá jamais criatura na qual Deus seja maior, fora de si mesmo, do que na divina Maria, sem excetuar nem mesmo os Bem-aventurados, os Querubins, os mais altos Serafins, no próprio Paraíso. Maria é o Paraíso de Deus e o seu mundo inefável, no qual o Filho de Deus entrou para nele operar maravilhas, para guardá-lo e nele se comprazer. Ele fez este mundo para o homem peregrino; fez um mundo para o homem bem- aventurado, o Paraíso; fez, porém, um outro para si, a que deu o nome de Maria; mundo desconhecido de quase todos os mortais cá na terra, e incompreensível a todos os Anjos e Bem-aventurados, lá no céu, [e] que admirados de ver a Deus tão elevado e tão elevado e tão recuado de todos eles, tão separado e tão oculto em seu mundo, que é a divina Maria, exclamam dia e noite: Santo, Santo, Santo!
Para no qual o Espírito Santo faz entrar nossa alma para aí encontrar a Deus.
Feliz, mil vezes feliz a alma, aqui em baixo, à qual o Espírito Santo revela o segredo de Maria, para conhecê-lo; e à qual ele abre esse jardim fechado, para aí penetrar; esta fonte selada, para dela tirar e beber a grandes sorvos a água viva da graça! Esta alma achará somente Deus, sem criatura, nesta admirável criatura; porém Deus ao mesmo tempo infinitamente santo e elevado, infinitamente condescendente e proporcionado à fraqueza dela.
Desde que Deus está em toda parte, pode-se achar em toda parte, mesmo no inferno; porém não há lugar algum onde a criatura o possa achar mais próximo de si e mais proporcionado à sua fraqueza do que em Maria, pois que foi para isso que ele aí desceu. Em todas as outras partes ele é o Pão dos fortes e dos Anjos; mas em Maria, ele é o Pão das crianças.
Porque Maria, longe de ser um obstáculo, lança as almas em Deus e uni-as a Ele.
Que ninguém pense, com alguns falsos iluminados, que Maria, como criatura, seja um empecilho à união com o Criador; não é mais Maria que vive, é somente Jesus Cristo, é somente Deus que vive nela. Sua transformação em Deus ultrapassa mais ainda a de São Paulo e dos outros Santos, mais do que o Céu ultrapassa a terra em elevação. Maria não é feita senão para Deus, e basta que Ela prenda uma alma a si própria, que, ao contrário logo a lança em Deus e a une a Ele com tanto maior perfeição quanto mais a alma se una a Ela: Maria é o eco de Deus, que não responde senão Deus, quando se lhe grita: Maria; que não glorifica senão a Deus, quando com Santa Isabel, a chamamos bem-aventurada.
 
(continua)

sábado, 29 de outubro de 2011

S. LUIS MARIA GRIGNON DE MONTFORT

O GRANDE SEGREDO PARA SE CHEGAR A SANTIDADE

INTRODUÇÃO

Eis aqui, ó alma predestinada, um segredo que o Altíssimo me confiou e que não pude encontrar em nenhum livro, antigo ou novo. Pelo Espírito Santo eu o confio a ti, contanto:

— que o não comuniques senão às pessoas que o mereçam — por suas orações, esmolas, mortificações, pelas perseguições sofridas, pelo seu zelo na salvação das almas e pelo seu desprendimento;

— que te sirvas dele para te tornares santa e celeste, por isso que só será grande este segredo para os que dele se utilizarem. Toma cuidado em não ficares de braços cruzados, sem trabalho; destarte meu segredo te serviria de veneno e seria a tua condenação;

— que todos os dias de tua vida agradeças a Deus o privilégio que te concedeu ensinando-te um segredo que não mereces conhecer. À medida que dele te servires nas ações ordinárias da vida. Avaliarás então o preço e a excelência que, a princípio, por causa da multidão e da gravidade dos teus pecados, dos apegos secretos à própria pessoa, só muito imperfeitamente conhecias.

A preparação para recebê-lo

Antes de prosseguir, desejoso desse desejo diligente e natural de conhecer a verdade, reza devotamente, de joelhos, a Ave Maria, a Maris Stella e o Veni, Creator, pedindo a Deus a graça de compreender e saborear este mistério divino.

Devido ao pouco tempo que temos, eu para escrever e tu para ler, dir-te-ei tudo resumidamente.

PRIMEIRA PARTE

PAPEL DE MARIA EM NOSSA SANTIFICAÇÃO A NECESSIDADE DE NOS SANTIFICARMOS POR MARIA

É da vontade de Deus a nossa santificação; é necessária, portanto

Imagem viva de Deus, resgatada pelo Sangue precioso de Jesus Cristo, a vontade divina em relação a ti, ó alma, é que te tornes santa como Deus nesta vida e gloriosa como Ele na outra.

Tua vocação, sem dúvida alguma, é a aquisição da própria santidade de Deus; para este objetivo é que devem tender todos os teus pensamentos todas as tuas palavras, ações e sofrimentos, todos os movimentos de tua vida; do contrário resistirás a Deus, deixando de fazer aquilo para que te criou e conserva atualmente.

Que obra admirável! A imundície em pureza! A criatura no Criador! O homem em Deus! Obra admirável! Eu o repito; mas de si mesma difícil e absolutamente impossível à natureza; só Deus, por uma graça, e graça abundante e extraordinária, o poderá conseguir; mesmo porque nem a criação de todo o Universo se lhe pode comparar.

Nossa santificação exige a prática da virtude.

Como farás, ó alma? Quais os meios que escolherás para subir aonde Deus te chama? Os meios de salvação e de santificação, conhecidos de todos, indicados no Evangelho explicados pelos mestres da vida espiritual, e praticados pelos santos, são necessários aos que se querem salvar e atingir a perfeição: a humildade de coração, a oração contínua, o abandono à Divina Providência, a conformidade com a vontade de Deus.

Para a prática da virtude necessitamos da graça de Deus.

Para que bem nos utilizemos todos esses meios de salvação e de santificação, mister se nos faz o socorro e a graça de Deus, graça que, em maior ou menos grau, é a todos concedida; ninguém o duvide. Em maior ou menor grau, digo eu, porque Deus, ainda que infinitamente bom, não concede sua graça de modo igual a todos, muito embora de a todos a graça suficiente. A alma fiel a uma grande graça, pratica uma grande ação; com uma graça menor, pratica uma ação menor. O preço e a excelência da graça, dada por Deus e correspondida pela alma, fazem o preço e a excelência de nossas ações. São incontestáveis esses princípios.

Para achar a graça de Deus é necessário encontrar Maria.

 Tudo enfim se reduz a encontrar-se um meio fácil de obter de Deus a graça necessária para a santificação; é o que te quero ensinar. Asseguro-te, porém que para achar a graça de Deus é necessário encontrar Maria.
(continua)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

"COMENTÁRIOS AO PAI-NOSSO"

Por Elisa Cintra



Uma grande parte deste escrito foi inspirada nas reflexões de Simone Weil sobre a oração do "Pai Nosso". No final do texto coloquei a minha tradução do texto original de Simone Weil.

Ela afirma que ninguém pode recitar esta oração sem sentir que algum tipo de mudança, ainda que infinitesimal, aconteça nele.

Eu acrescentaria que pode ser uma mudança infinitesimal do próprio ódio em amor, do sentimento de isolamento para um sentimento de pertencer, de confiar.

Nossa capacidade de amar e de ser amado é tão pequena e frágil que precisamos nos endereçar a algum ponto do universo de onde toda a capacidade de amar tem sua origem.

Este ponto é aqui chamado "Pai Nosso".

Um agnóstico poderia recitar esta oração como um poema, com toda a sua atenção de forma a endereçar para este ponto o seu desejo de amar e de ser amado e também o seu medo, e as suas dúvidas.

O Pai é o ponto metafórico de toda origem. Precisamos de uma fonte de amor fora de nós mesmos para nos alimentar e para preencher as lacunas de nosso amor humano., precário.





"Pai Nosso, que está nos Céus"



De que forma eu vejo o nosso Pai ?

O Pai é alguém apaixonado (in Love), profundamente mergulhado em um amor inimaginável, fora do tempo e de qualquer fronteira, dirigido a cada pessoa.

Amando, se oferecendo, partilhando, perdoando. Ele é a fonte de todo amor, doação, partilha, perdão.

"Pai Nosso que está apaixonado".

Isto sugere uma nova abordagem: pensar que nosso pai está sempre cantando o seu amor pela humanidade.

E esta é para mim a melhor compreensão destes "Céus": um estado de paixão.

Nós só ficamos apaixonados por um curto espaço de tempo, aqui e ali, e então tudo desaparece com toda a dor que deixa atrás de si.

Nós queremos de novo esta experiencia durante a vida toda; estamos sempre, consciente ou inconscientemente procurando que ela reapareça.

Estar apaixonado e o sentimento de alegria e a sensação de deslumbramento que enche todas as coisas de sentido tem a sua origem em um relacionamento pessoal mas podem também ser despertados

ao olhar para uma paisagem muito bela ou uma obra de arte: música, texto, quadro. escultura ou cinema.

Apaixonar-se está relacionado à experiencia de entrar em contacto com alguma forma da Beleza, da Verdade, da Justiça, do Bem. Ainda que não saibamos definir estas realidades.



O amor de Nosso Pai é todo criativo, dando nascimento e concebendo, é a fonte de toda a criatividade.

Este Deus cujo amor é tão perfeito e alegre poderia ser considerado alguém satisfeito consigo mesmo, fechado em sua mônada de puro amor, para sempre inacessível a tudo que se acha fora dele.

Esta seria uma forma narcisista de amor, mas a natureza de seu amor é toda diferente: é um amor da alteridade, aberto ao que é diferente Dele,

criando diferença, em um estado de pura atenção às diferenças.

Ele se rejubila na diferença.

Ele não é indiferente à miséria, à doença, à ignorância e à condição mortal dos homens.

Sua mais perfeita revelação é Cristo, o Logos, que entrou na condição humana para experimentá-la até sua máxima radicalidade e tragicidade.

A palavra Logos do grego foi traduzida em latim por Palavra, Verbo ou Nome.





"Santificado seja o Vosso Nome"



"Vosso Nome" é o Filho (The Son, the Sun), o Logos, a encarnação e a mais perfeita manifestação do Seu Amor.

Logos quer dizer "luz" e "inteligência" ao mesmo tempo: a inteligência capaz de ligar, relacionar, comunicar, a inteligência que conduz ao insight e à descoberta.

Precisamos desta inteligência para esclarecer a nossa ignorância e para nos fazer entender a natureza do seu amor pela condição humana mortal e desamparada.

Todos nós estamos em busca de um ideal de perfeição em termos de Poder e Força, e neste sentido somos todos, de alguma maneira mais ou menos oculta,

"fundamentalistas", absolutamente apegados a nossos pontos de vista, vivendo em sistemas fechados e prontos a entrar em luta com os outros "sistemas fechados".

Para dissolver nosso fundamentalismo precisamos de uma forma de amor totalmente outra, diferente de tudo que nossa imaginação pode conceber.



O Filho (The Son, the Sun) nos revela a natureza do Pai e de seu amor. Ele é todo revelação e sabedoria, a fonte de toda a sabedoria.

Ele assumiu a condição humana em seu mais radical desejo de amar e ser amado,

ele se transformou nesta infinita sede e nesta fome de nosso amor,

ele se coloca em atitude de súplica, ele implora por nosso amor como um pobre pede esmola.

Isto é tão difícil de entender pois dissolve nossas ideias de auto-suficiência, onipotência e majestade divinas.

Algumas obras de arte que mostram alguém apaixonado, em uma atitude de súplica a seu ou à sua amada,

podem nos aproximar à realidade deste Logos luminoso em sua atitude de súplica.





"Venha a nós o Vosso Reino".



Que reino é este? O que estamos pedindo quando dizemos estas palavras?

O reino é um estado de ser interior, um estado de poder amar e estar sendo amado. Estado interior que imediatamente se torna exterior, se expande, contagia.

Este amor é o trabalho de Logos e Eros, que são doadores de sentido e valor.

Ao mesmo tempo em que este amor é "todo plenitude", ele exige uma aceitação da condição humana da falta e da mortalidade, dor e miséria.

"Onde a escuridão e a ignorância reinam possa o reino de luz e sabedoria vir".

Este reino traz o paradoxo de Eros, de plenitude e de falta.

Eros na Mitologia Grega é considerado como sendo o fruto de Poros (=plenitude) e Penia (falta, miséria).

Amar e desejar colocam-nos nesta tensão entre a plenitude e a miséria, a falta.

Antecipa-se a plenitude e ao mesmo tempo sente-se o desamparo, a falta da pessoa amada: isto nos faz pobres, miseráveis.

A frase "Venha a nós o vosso Reino" se refere a uma perpétua espera pela chegada de um Reino ainda por vir, embora possa estar sempre vindo;

refere-se a uma sempre crescente sede (e capacidade, embora vacilante) de amar em liberdade e generosidade.

O horizonte de um "vir" está sempre em movimento, criando inesperadas formas de futuro.





"Seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu"



Que Vontade é esta?

Não pode ser outra além do dinamismo de um amor passional dirigido à individualidade de cada pessoa.

Deus ama de maneira apaixonada cada pessoa com absoluta intensidade e absoluto respeito por estas individualidades.

Seu desejo é trazer cada pessoa para fora da insignificância, do esquecimento, da indiferença, do abandono, do desespero e do desamparo.

Seu amor é doador de sentido e valor. Ele cria um campo de confiança que permite que possamos habitar um mundo de possibilidades abertas.

Abre o futuro. Esta é a Vontade que pedimos que seja feita assim na terra como no Céu. Abre para o Céu e enraíza na Terra.

Cria comunidade e produz insight.

É uma tendência sutil e irresistível de uma voltagem incrivelmente alta.





"O pão nosso de cada dia nos dai hoje"



A palavra em grego para este pão é "epiousion" , pão supra substancial, o que quer dizer que precisamos de uma nutrição super substancial para viver sob a Lei do Amor

e ele tem que ser entregue cada dia, da mesma forma que o maná no deserto. Não é possível armazenar este pão.

Em inglês, "bread e breath" (pão e respiração) soam de modo parecido, este pão é também uma nova inspiração, a cada instante em que inalamos o ar.

Pedimos por uma porção diária desta fabulosa energia – inteligência e entendimento – contida no Logos: ela é um principio de simbolização e transformação de nossas tendências gravitacionais.

O pão é o princípio de todos os alfabetos, letras, palavras, textos, narrações, teorias e pensamentos.

É o Logos – a Palavra – feita Carne.

Precisa ser comido para que nossa carne se torne Palavra de inteligência.





"Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos quem nos tem ofendido"



O "Pai Nosso" inteiro é rezado no plural, dentro da perspectiva de uma comunidade.

Aqui todas as "ofensas" da humanidade são reunidas na mesma categoria e tornam-se equivalentes.

Não deveríamos nos preocupar em estabelecer pequenas diferenças entre as várias ofensas humanas,

Mas deveríamos entender que todas as acções e pensamentos praticados fora da lei do amor são inúteis e podem ser igualmente considerados como "ofensas".

Isto nos leva a considerar que cada uma das ofensas diz respeito a pessoas, a grupos de pessoas, dentro de uma infinita rede de inter-relações.

O perdão é necessário para quebrar a lei do "Karma", o eterno vínculo entre crime e castigo.

Perdoar é quebrar este eterno retorno do mesmo: permite um começo novo.

Quais são as piores ofensas contra os outros? Penso que todas as ofensas têm origem em uma atitude de julgamento moral dos outros.





"Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal"



A maior tentação é perder toda a confiança em nossa possibilidade de amar e de sermos amados – um estado de depressão – quando tudo se torna sem valor e desinteressante.

Toda a confiança em uma possibilidade de transformação e renovação é perdida e ninguém mais merece a nossa confiança. O mundo das pessoas se torna hostil e nos afastamos.

A morte é então desejada como o fim de uma luta aparentemente mal sucedida para encontrar algum significado. Desistimos de viver.

Há um sentimento paranóico de que tudo e todos estão contra mim.

A tentação e seu ponto mais radical, aqui chamado de "mal", é cultivar o pensamento de que não existe nenhuma forma de amor confiável.

Que Deus nos abandonou à nossa miséria. É uma situação radical de pobreza, humilhação, rejeição e solidão, o sentimento de que nenhuma confiança e nenhuma esperança sejam viáveis.

O que é o mal senão o mergulhar na face mais escura deste estado? Na completa ignorância da verdade, sob violência e tendo que viver sob servidão, tortura,

tendo perdido toda a possibilidade de pensar,

desejar, lutar pela própria liberdade?

Este foi o terrível sentimento de Cristo na Cruz quando se sentiu abandonado por todos os seus amigos e por seu Pai bem-amado. Ele quis que isto acontecesse porque queria experimentar

o extremo mais radical da miséria humana.

Neste ponto ele se entregou mais profundamente nas mãos do Pai Nosso, para além de toda possibilidade de compreender o que estava acontecendo.

Isto ensina que quando não conseguimos entender mais nada, nos tornamos pura ignorância,

o melhor remédio é mergulhar mais fundo na origem de toda Inteligência.

Este ato de confiança vai nos livrar do mal.

Amem.